Segue abaixo a transcrição da catequese do Papa Bento XVI sobre Santa Teresa de Jesus em 4 de feveiro de 2011. Na época, sua santidade estava aproveitando as catequeses das quartas-feiras para aprofundar a teologia e espiritualidade de grandes santos e doutores da Igreja, vindo a iniciar sobre os doutores da Igreja com a figura de Santa Teresa de Ávila.
Santa Teresa de Ávila [de Jesus]
Prezados irmãos e irmãs!
Durante as Catequeses que eu quis dedicar aos Padres da Igreja e a
grandes figuras de teólogos e de mulheres da Idade Média tive a
oportunidade de meditar também sobre alguns Santos e Santas que foram
proclamados Doutores da Igreja pela sua doutrina eminente. Hoje
gostaria de começar uma breve série de encontros para completar a
apresentação dos Doutores da Igreja. E começo com uma santa que
representa um dos vértices da espiritualidade cristã de todos os
tempos: santa Teresa de Ávila [de Jesus].
Nasce
em Ávila, na Espanha, em 1515, com o nome de Teresa de Ahumada. Na
autobiografia ela menciona alguns pormenores da sua infância: o
nascimento de «pais virtuosos e tementes a Deus», numa família
numerosa, com nove irmãos e três irmãs. Ainda menina, com menos de 9
anos, tem a ocasião de ler as vidas de alguns mártires que lhe inspiram
o desejo do martírio, a tal ponto que improvisa uma breve fuga de casa
para morrer mártir e subir ao Céu (cf. Vida 1, 4); «Quero ver
Deus», diz a pequena aos pais. Alguns anos depois, Teresa falará da
suas leituras da infância e afirmará que nelas descobriu a verdade, que
resume com dois princípios fundamentais: por um lado, «o facto de que
tudo o que pertence ao mundo daqui, passa»; por outro, que só Deus é
«para sempre», tema que retorna na celebérrima poesia «Nada te turbe /
nada te espante; / tudo passa. Deus não muda; / a paciência obtém tudo;
/ quem possui Deus / nada lhe falta / só Deus basta!». Tendo ficado
órfã de mãe com doze anos, pede à Virgem Santissima que lhe seja mãe
(cf. Vida 1, 7).
Se na adolescência a leitura de livros profanos a tinha levado às distracções de uma vida mundana, a experiência como aluna das monjas agostinianas de Santa Maria das Graças de Ávila e a leitura de livros espirituais, sobretudo clássicos de espiritualidade franciscana, ensinam-lhe o recolhimento e a oração. Com vinte anos entra no mosteiro carmelita da Encarnação, ainda em Ávila; na vida religiosa assume o nome de Teresa de Jesus. Três anos depois adoece gravemente, a ponto de ficar 4 dias de coma, aparentemente morta (cf. Vida 5, 9). Até na luta contra as próprias doenças a santa vê o combate contra as fraquezas e as resistências à chamada de Deus: «Eu desejava viver — escreve — porque entendia bem que não estava a viver, mas sim a lutar com uma sombra de morte, e não tinha alguém que me desse vida, e nem eu a podia tomar, e Aquele que ma podia dar tinha razão de não me socorrer, dado que muitas vezes me dirigira para Ele, e eu O tinha abandonado» (Vida 8, 2). Em 1543 perde a proximidade dos familiares: o pai falece e todos os seus irmãos emigram, um após o outro, para a América. Na Quaresma de 1554, com 39 anos, Teresa chega ao ápice da luta contra as próprias debilidades. A descoberta da imagem de «um Cristo muito chagado» marca profundamente a sua vida (cf. Vida 9). A santa, que nesse período encontra profunda consonância com o santo Agostinho das Confissões, assim descreve o dia decisivo da sua experiência mística: «Acontece... que de repente tive a sensação da presença de Deus, que de nenhum modo eu podia duvidar que estava dentro de mim, e que eu estava totalmente absorvida nele» (Vida 10, 1).
Paralelamente ao amadurecimento da sua interioridade, a santa começa a
desenvolver de modo concreto o ideal de reforma da Ordem carmelita: em
1562 funda em Ávila, com o apoio do Bispo da cidade, D. Alvaro de
Mendoza, o primeiro Carmelo reformado, e pouco depois recebe também a
aprovação do Superior-Geral da Ordem, Giovanni Battista Rossi. Nos anos
seguintes continua as fundações de novos Carmelos, 17 no total. É
fundamental o encontro com são João da Cruz com quem, em 1568,
constitui em Duruelo, perto de Ávila, o primeiro convento de Carmelitas
descalços. Em 1580 obtém de Roma a erecção a Província autónoma para
os seus Carmelos reformados, ponto de partida da Ordem religiosa dos
Carmelitas descalços. Teresa termina a sua vida terrena precisamente
enquanto está empenhada na tarefa de fundação. Com efeito em 1582,
depois de ter constituído o Carmelo de Burgos e enquanto voltava para
Ávila, falece na noite de 15 de Outubro em Alba de Tormes, repetindo
humildemente duas expressões: «No fim, morro como filha da Igreja» e
«Meu Esposo, chegou a hora de nos vermos». Uma existência consumida na
Espanha, mas despendida pela Igreja inteira. Beatificata pelo Papa
Paulo V em 1614 e canonizada em 1622 por Gregório XV, é proclamada «Doutora da Igreja» pelo Servo de Deus Paulo VI em 1970.
Monjas carmelitas descalças |
Teresa de Jesus não tinha uma formação académica, mas sempre
valorizou os ensinamentos de teólogos, letrados e mestres espirituais.
Como escritora, sempre se ateve àquilo que pessoalmente vivera ou vira
na experiência do próximo (cf. Prólogo ao Caminho de Perfeição),
isto é, a partir da experiência. Teresa consegue manter relações de
amizade espiritual com muitos santos, em especial com são João da Cruz.
Ao mesmo tempo, alimenta-se com a leitura dos Padres da Igreja, são
Jerónimo, são Gregório Magno e santo Agostinho. Entre as suas
principais obras deve-se recordar sobretudo a autobiografia, intitulada Livro da vida, ao qual ela chama Livro das Misericórdias do Senhor.
Composta no Carmelo de Ávila em 1565, discorre sobre o percurso
biográfico e espiritual, escrito como afirma a própria Teresa, para
submeter a sua alma ao discernimento do «Mestre dos espirituais», são
João de Ávila. A finalidade é evidenciar a presença e a acção de Deus
misericordioso na sua vida: por isso, a obra cita com frequência o
diálogo de oração com o Senhor. É uma leitura que fascina, porque a
santa não só narra, mas mostra que revive a profunda experiência da sua
relação com Deus. Em 1566, Teresa escreve o Caminho de Perfeição, por ela chamado Admoestações e conselhos que Teresa dá de Jesus às suas monjas. Destinatárias
são as doze noviças do Carmelo de são José em Ávila. Teresa
propõe-lhes um intenso programa de vida contemplativa ao serviço da
Igreja, em cuja base estão as virtudes evangélicas e a oração. Entre os
trechos mais preciosos, o comentário ao Pai-Nosso, modelo de oração. A obra mística mais famosa de santa Teresa é o Castelo interior, escrito
em 1577, em plena maturidade. Trata-se de uma releitura do próprio
caminho de vida espiritual e, ao mesmo tempo, de uma codificação do
possível desenvolvimento da vida cristã rumo à sua plenitude, a
santidade, sob a acção do Espírito Santo. Teresa inspira-se na
estrutura de um castelo com sete quartos, como imagem da interioridade
do homem, introduzindo ao mesmo tempo o símbolo do bicho da seda que
renasce como borboleta, para expressar a passagem do natural ao
sobrenatural. A santa inspira-se na Sagrada Escritura, em particular no Cântico dos Cânticos, para
o símbolo final dos «dois Esposos», que lhe permite descrever no
sétimo quarto o ápice da vida cristã nos seus quatro aspectos:
trinitário, cristológico, antropológico e eclesial. À sua obra de
fundadora dos Carmelos reformados, Teresa dedica o Livro das fundações,
escrito de 1573 a 1582, em que fala da vida do grupo religioso
nascente. Como na autobiografia, a narração visa frisar sobretudo a
acção de Deus na obra de fundação dos novos mosteiros.
Não é fácil resumir em poucas palavras a profunda e minuciosa
espiritualidade teresiana. Gostaria de mencionar alguns pontos
essenciais. Em primeiro lugar, santa Teresa propõe as virtudes
evangélicas como base de toda a vida cristã e humana: em especial, o
desapego dos bens, ou pobreza evangélica, e isto diz respeito a todos
nós; o amor mútuo como elemento básico da vida comunitária e social; a
humildade como amor à verdade; a determinação como fruto da audácia
cristã; a esperança teologal, que descreve como sede de água viva. Sem
esquecer as virtudes humanas: a afabilidade, veracidade, modéstia,
cortesia, alegria e cultura. Em segundo lugar, santa Teresa propõe uma
profunda sintonia com as grandes figuras bíblicas e a escuta viva da
Palavra de Deus. Ela sente-se em sintonia sobretudo com a esposa do Cântico dos Cânticos e com o apóstolo Paulo, mas também com o Cristo da Paixão e com Jesus Eucarístico.
Depois, a santa realça como a oração é essencial; orar, diz,
«significa frequentar com amizade, porque frequentamos face a face
Aquele que sabemos que nos ama» (Vida 8, 5). A ideia de santa Teresa coincide com a definição que s. Tomás de Aquino dá da caridade teologal, como «amicitia quaedam hominis ad Deum», um tipo de amizade do homem com Deus, que foi o primeiro a oferecer a sua amizade ao homem; a iniciativa vem de Deus (cf. Summa Theologiae II-II,
23, 1). A oração é vida e desenvolve-se gradualmente com o crescimento
da vida cristã: começa com a prece vocal, passa pela interiorização
mediante a meditação e o recolhimento, até chegar à união de amor com
Cristo e a Santíssima Trindade. Obviamente, não se trata de um
desenvolvimento em que subir os degraus mais altos quer dizer deixar o
precedente tipo di oração, mas é antes um aprofundar-se gradual da
relação com Deus que envolve toda a vida. Mais do que uma pedagogia da
oração, a de Teresa é uma verdadeira «mistagogia»: ao leitor das suas
obras ensina a rezar, orando ela mesma com ele; com efeito,
frequentemente interrompe a narração ou a exposição para irromper em
oração.
Outro tema amado pela santa é a centralidade da humanidade de Cristo.
Com efeito, para Teresa a vida cristã é relação pessoal com Jesus, que
culmina na união com Ele pela graça, amor e imitação. Daqui a
importância que ela atribui à meditação da Paixão e à Eucaristia, como
presença de Cristo na Igreja, pela vida de cada crente e como centro da
liturgia. Santa Teresa vive um amor incondicional à Igreja: manifesta
um «sensus Ecclesiae» vivo diante dos episódios de divisão e
conflito na Igreja do seu tempo. Reforma a Ordem carmelita com a
intenção de melhor servir e defender a «Santa Igreja Católica Romana»,
disposta a dar a vida por ela (cf. Vida 33, 5).
Um último aspecto essencial da doutrina teresiana, que gostaria de
frisar, é a perfeição, como aspiração de toda a vida cristã e sua meta
final. A santa tem uma ideia muito clara da «plenitude» de Cristo,
revivida pelo cristão. No final do percurso do Castelo interior, no
último «quarto», Teresa descreve tal plenitude realizada na morada da
Trindade, na união a Cristo através do mistério da sua humanidade.
Caros irmãos e irmãs, santa Teresa de Jesus é verdadeira mestra de
vida cristã para os fiéis de todos os tempos. Na nossa sociedade,
muitas vezes carente de valores espirituais, santa Teresa ensina-nos a
ser testemunhas indefessas de Deus, da sua presença e acção, ensina-nos
a sentir realmente esta sede de Deus que existe na profundidade do
nosso coração, este desejo de ver Deus, de O procurar, de dialogar com
Ele e de ser seu amigo. Esta é a amizade necessária para todos nós e
que devemos buscar de novo, dia após dia. O exemplo desta santa,
profundamente contemplativa e eficaz nas suas obras, leve-nos também a
nós a dedicar cada dia o justo tempo à oração, a esta abertura a Deus, a
este caminho para procurar Deus, para O ver, para encontrar a sua
amizade e assim a vida verdadeira; porque realmente muitos de nós
deveriam dizer: «Não vivo, não vivo realmente, porque não vivo a
essência da minha vida». Por isso, o tempo da oração não é perdido, é
tempo em que se abre o caminho da vida, para aprender de Deus um amor
ardente a Ele, à sua Igreja, e uma caridade concreta para com os nossos
irmãos. Obrigado!
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