Nos séculos passados as Américas presenciaram uma
intensa ação da Igreja entre seus povos. De tal forma que o anúncio explícito
de Jesus Cristo e a pregação intensa do Evangelho tornaram a sociedade pagã em cristã:
vivenciávamos o fenômeno da cristandade.
Nesse clima de cristandade tudo leva à prática
cristã, não se faz necessário a existência do antigo modelo catecumenal de
iniciação pois o grande esforço da ação da Igreja era alimentar e fortificar a
fé.
A catequese, em geral para crianças, dedicava-se
mais à doutrina, e não a proporcionar o encontro pessoal e transformador com
Jesus Cristo. Não se falava em uma catequese que levasse o catequizando a uma
adesão a Jesus Cristo, pois esta adesão já era suposta como fruto da ação da
família e da sociedade cristã.
Todavia, o mundo mudou, saindo do eixo da religião
para a secularização. De tal modo, que podemos dizer que o Evangelho já não
permeia toda sociedade com a força que possuía anteriormente. Na verdade, em
muitos lugares, notadamente nos grandes centros urbanos, já se vivencia uma
espécie de pós-cristandade.
O que se percebe é que não foi o Evangelho que
perdeu sua força de atração e transformação, mas sim a realidade eclesial
(tanto Igreja-estrutura como Igreja-povo) que não soube se atualizar com
relação as novas demandas da humanidade. A mensagem continuava essencial e
vital, mas os meios e mecanismos de comunicação da mensagem se mostravam
ineficazes pois tinham perdido a capacidade de interessar ao homem moderno.
A Igreja é afetada pelos problemas da sociedade
moderna, suas angustias e aspirações, seus questionamentos e incertezas. Esta
sociedade contemporânea racionalizou o divino e diversificou as experiências do
sagrado conseguindo a façanha de produzir homens com forte tendência a
religiosidade individualista mas com pouquíssima tolerância e abertura as
religiões institucionais.
É claro que os cristãos, principalmente as novas
gerações, foram profundamente influenciados por estes valores (ou melhor,
contra-valores), onde podemos perceber várias situações paradoxais:
·
Inúmeros
cristãos que não foram iniciados adequadamente na sua fé, tornaram-se como
estrangeiros em sua própria terra, onde desconhecem a linguagem litúrgica, o
sentido doutrinal e moral de sua fé, e infelizmente, os caminhos de comunicação
com o seu Mestre;
·
Outros tantos
não concluíram sua iniciação cristã, e por conseqüência, não conseguem dar o
passo a mais, aquele passo tão importante para assumir os compromissos
batismais implícitos em sua iniciação.
Diante de uma massa de cristãos omissos ou apáticos,
a Igreja começou um processo de reflexão profunda sobre que fatores teriam
gerado tal fenômeno, e o que poderia ser feito, como também, qual a forma da
grande nau de Cristo entrar nos mares da modernidade sem perder a sua essência
ou se descuidar de sua missão. Neste contexto, o Concílio Vaticano II
representou este grande momento de reflexão e produção de luzes para caminhada
futura da Igreja, a qual buscou retomar e renovar sua consciência missionária.
A Igreja sabe-o bem, ela tem a
consciência viva de que a palavra do Salvador – “Eu devo anunciar a Boa Nova do
reino de Deus” (Lc 4,43) – se lhe aplica com toda a verdade. [...] “Nós
queremos confirmar, uma vez mais ainda, que a tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja”;
tarefa e missão, que as amplas e profundas mudanças da sociedade atual tornam
ainda mais urgente. Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação
própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar,
ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os
pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na santa missa, que é o
memorial da sua morte e gloriosa ressurreição. (Evangelii Nuntiandi n. 14)
A Evangelização (proclamação da Boa Nova) retornou
com plena força ao centro de toda ação da Igreja. Anunciar a pessoa de Jesus e
sua Boa Nova a todos os povos, e agora mais do que nunca aos que já crêem (mas
vivem como os que não crêem), é de importância vital e fundamental para a
Igreja.
Afinal, “o
desafio da Igreja é a evangelização do mundo de hoje, mesmo em territórios onde
a Igreja já se encontra implantada há mais tempo. Nossa realidade pede uma nova
evangelização” (Diretório Nacional de Catequese n. 29)
Evangelização, ou melhor, Querigma, é o primeiro anúncio, a proclamação fundamental da pessoa e da mensagem
impactante e transformadora de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro
homem. Proclamação tão forte e inovadora
que provoca transformações profundas no interior do evangelizado, que o leva a
querer mudar de comportamento, de mentalidade, de vida...
O acontecimento de Cristo é,
portanto, o início desse sujeito novo que surge na história e a quem chamamos
discípulos: “Não se começa a ser cristão
por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas através do encontro com um
acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma
orientação decisiva”. Isso é justamente o que, com apresentações
diferentes, todos os evangelhos nos têm conservado como sendo o início do cristianismo: um encontro de fé com a pessoa de Jesus.
(Documento de Aparecida n. 243)
E a catequese, é claro, é essencial nesse processo,
pois deve permitir a ressonância (fazer eco, fazer ressoar) desse anúncio
primeiro, desenvolvendo-o, aprofundando-o, alimentando-o.
Mas eis o dilema
atual, como fazer ressoar o silêncio? Como fazer ressoar a voz do divino Pastor
se as ovelhas jamais a ouviram?
Afinal, para
que haja catequese, é imprescindível a existência de um som, uma voz, um
conteúdo prévio que torne possível o eco, a ressonância.
Durante décadas, a catequese partiu da suposição de
que este som, este fundamento inicial, já foi colocado e, com a catequese,
pretende-se desenvolvê-lo. Herdando uma situação de cristandade, nós supomos
que nossos interlocutores (destinatários) comparecem à catequese já
evangelizados, pelo menos através de suas famílias.
Neste contexto, compreende-se a preocupação
demonstrada pelo episcopado latino-americano na Conferência de Aparecida:
A iniciação cristã, que inclui o
querigma, é a maneira prática de colocar alguém em contato com Jesus Cristo e
iniciá-lo no discipulado. (cf. 288)
Sentimos a urgência
de desenvolver em nossas comunidades um
processo de iniciação na vida cristã que
comece pelo querigma e que, guiado pela Palavra de Deus, conduza a um encontro
pessoal, cada vez maior, com Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem,
experimentado como plenitude da humanidade e que leve à conversão, ao seguimento em uma comunidade eclesial e a um
amadurecimento de fé na prática dos sacramentos, do serviço e da missão.
(289)
Em consonância com este entendimento, pe. Luiz Alves[1] afirma que:
[...] dificilmente se poderá
entender uma catequese que não seja precedida por uma ação de primeiro anúncio, de proclamação
missionária, enfim, de uma proposta querigmática. O ensino doutrinal não pode ser
considerado como catequese em sentido próprio, a não ser onde é dirigido a um
grupo de crentes que já acolheram o querigma e professam as Escrituras como Palavra de Deus.
O DGC ressalta o “caráter
missionário da atual catequese e a sua propensão em assegurar a adesão à fé, de
catecúmenos e catequizandos, num mundo no qual o sentido religioso se
obscurece” (29). A “acentuada característica missionária” (DGC 33) é o grande
desafio para o futuro. De agora em diante “a catequese, junto com sua função de
iniciação, deve assumir freqüentemente tarefas missionárias” (DGC 52), especialmente com jovens e adultos (DGC 185 e 276). Falar
de tarefas missionárias significa
falar da primeira proposta a ser feita para quem não conhece vitalmente Jesus
Cristo, ou seja: anunciar o centro, o núcleo da fé cristã, o querigma.
Por tudo o que tratamos acima, creio que é possível perceber a importância dos catequistas começarem a discutir e estudar sobre a Iniciação Cristã em estilo catecumenal e sua importância vital para a formação de cristãos verdadeiramente discípulos e seguidores de Cristo.
Continuaremos mais tarde...
Fabiano Lucio
[1]
LIMA, Luiz Alves de. O que é querigma? Texto impresso de
palestra proferida no Instituto Superior de Catequese, Uruguai, 25/08/06.
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